Teses sobre a metafísica do cinema
1 – O cinema é uma espécie de Exu, o mais novo dos deuses (das artes) ao mesmo que o mais poderoso e comunicador. Vive na transição entre o mundo divino (o das artes) e o efêmero (da vida). Neste sentido o cinema não é apenas uma magia, mas também um ebó. E como Exú, é ladino, pois sem perceber faz parte da ordem, sendo sempre, mesmo que não querendo, linear. Boçal às vezes. Mas sempre linear. É africano nascido nas américas. Escravo.
2 – O 4:3 como opacidade, movimento, montagem, cinema de vanguarda. O 16:9 (assim como o cinemascope) como profundidade de campo, tempo, cinema moderno. Pensar em Fassbinder, com filmes opacos em 4:3, e filmes cheios de profundidade em 16:9. Fassbinder substitui a opacidade do posicionamento de câmera em nome da opacidade da luz. Godard de 4:3 e Godard de 16:9 também são dois cineastas completamente diferentes.
O 4:3 é da video-arte, da História do Cinema, da montagem, dos apartamentos de Katzelmacher. O 16:9 é do desejo, dos sonhos, dos desertos, do vazio, da crônica feita silêncio.
3 – O desenho como design, designo, destino. O cinema-desenho entre a idéia e a representação, entre a geometria e a geografia. O cinema-esboço que se desenrola na velocidade do pensamento. Chris Marker de Livel Five, do Último Bolchevique. Godard da História do Cinema.
4 – O trem-cine linear em direção à cidade (Berlin, sinfonía de uma cidade), ao metrô-vídeo (Tokyo Ga). O mapa do trem é para fora, é linear, a sua paisagem é cinematográfica, profunda, verdadeira, pura, consciente. O mapa do metrô é para dentro, hipertextual, a sua paisagem é formada por reflexos e propagandas, é virtual, falsa, cheia de câmeras de vigilância num mundo subterrâneo e inconsciente, labiríntico.
O cinema é um mecanismo que surgiu em nome da verdade científica. O vídeo é um mecanismo que veio em nome da falsidade científica. O vigésimo quinto quadro vem para provocar dúvida. É um quadro que olha para trás, congelando o tempo. A cidade como vários tempos num mesmo espaço (digital e hipertextual), ou seja, vários espaços ao mesmo tempo. Fragmentação e justaposição. Vídeo-cine-de-(re)-composição-falseamento-ressignificação.
5 – A transição está na chegada do homem à lua, na derrota política de 68. A perda do eixo gravitacional, o congelamento do tempo, o surgimento do vídeo e a normatização de todas as coisas. O homem e o espaço sideral, as imagens eletrônicas sem referecial exteno possível. A imagem dobrada, distorcida, trabalhada, o abstracionismo não elitista, mas da vida, o abstracionismo ruidoso do vídeo.
6 – No vídeo e na tv tudo é ao vivo. Há uma relação direta estabelecida entre o vídeo e uma busca pelo retorno da aura. Mas uma aura estéril, sem carne, uma tanatoestética de corpos vivos. A fotografia conecta os vivos com os mortos. O vídeo (telefone visual) conecta os vivos com os vivos. E para tanto tornamo-nos mortos-vivos. O skype, a televisão, a internet, possibilitam o retorno do acontecimento aurático apesar (através) da técnica. A vida apesar (através) da morte.
O preto no vídeo não é ausência de luz somente. É ruído vivo. Pixel-morte enlouquecida que se quer imagem.
7 – A película se banha no caos pré-formal para depois sair revelada, mas só pode existir através da luz.
8 – Bazin fala dos cineastas que crêem na imagem e dos cineastas que crêem na realidade. Godard crê na imagem como realidade. Mas é Chris Marker o grande escultor de cristal.
9 – A película é perfurada pela luz refletida nos corpos, perfurada pelo simulacro dos corpos. Neste sentido a imagem é índice. Quando montada (vista) produz significado generalizante, torna-se ícone. O cinema é sempre documental (quando feito) e ficção (quando visto-montado).
10 – O número dez é por demais completo. O número nove é o da serpente. O ano da situação-limite, do auge da guerra-conflito de morte. O aleatório.
11 – O cinema como bússola, mapa, como forma de dominar a natureza.
12 – Filmar: Conhecer-matar. Montar: (de)(re)Construir-alienar. Exibir: Aproximar-vender.
13 – O cinema como vida - plano entre dois cortes. A vida como cinema - Tavertet, um povoado na Catalunya entre dois despenhadeiros.
14 – A magia e a técnica se distinguem por uma mudança de grau e não de natureza.
15 – A aranha-demiurgo.
Pouco se fala de um cinema seguidor das associações psicológicas do autor-deus-montador, sem lógica para além da de seu próprio inconsciente revelado (rebelado), revelador de uma realidade invisível e inquietante. O cinema como Véu de Maia, telaraña tecida por algo-alguém-tempo que permanece obscuro, invisível, desconhecido. Um deus-aranha que se faz presente através da teia pelicular (se há teia é porque deve haver aranha, não?), que se faz presente através da pergunta e da ausência: onde está a aranha?
16 – A aranha entre os fios da teia, nos cortes que separam ao mesmo que unem os planos numa rede: corte-associação, inconsciente demiúrgico.
17 – Um velho de bigode costumava falar da aranha da razão. A aranha na verdade é o inconsciente demiúrgico. A teia é o que se enrola-desenrola através do projetor.
1 – O cinema é uma espécie de Exu, o mais novo dos deuses (das artes) ao mesmo que o mais poderoso e comunicador. Vive na transição entre o mundo divino (o das artes) e o efêmero (da vida). Neste sentido o cinema não é apenas uma magia, mas também um ebó. E como Exú, é ladino, pois sem perceber faz parte da ordem, sendo sempre, mesmo que não querendo, linear. Boçal às vezes. Mas sempre linear. É africano nascido nas américas. Escravo.
2 – O 4:3 como opacidade, movimento, montagem, cinema de vanguarda. O 16:9 (assim como o cinemascope) como profundidade de campo, tempo, cinema moderno. Pensar em Fassbinder, com filmes opacos em 4:3, e filmes cheios de profundidade em 16:9. Fassbinder substitui a opacidade do posicionamento de câmera em nome da opacidade da luz. Godard de 4:3 e Godard de 16:9 também são dois cineastas completamente diferentes.
O 4:3 é da video-arte, da História do Cinema, da montagem, dos apartamentos de Katzelmacher. O 16:9 é do desejo, dos sonhos, dos desertos, do vazio, da crônica feita silêncio.
3 – O desenho como design, designo, destino. O cinema-desenho entre a idéia e a representação, entre a geometria e a geografia. O cinema-esboço que se desenrola na velocidade do pensamento. Chris Marker de Livel Five, do Último Bolchevique. Godard da História do Cinema.
4 – O trem-cine linear em direção à cidade (Berlin, sinfonía de uma cidade), ao metrô-vídeo (Tokyo Ga). O mapa do trem é para fora, é linear, a sua paisagem é cinematográfica, profunda, verdadeira, pura, consciente. O mapa do metrô é para dentro, hipertextual, a sua paisagem é formada por reflexos e propagandas, é virtual, falsa, cheia de câmeras de vigilância num mundo subterrâneo e inconsciente, labiríntico.
O cinema é um mecanismo que surgiu em nome da verdade científica. O vídeo é um mecanismo que veio em nome da falsidade científica. O vigésimo quinto quadro vem para provocar dúvida. É um quadro que olha para trás, congelando o tempo. A cidade como vários tempos num mesmo espaço (digital e hipertextual), ou seja, vários espaços ao mesmo tempo. Fragmentação e justaposição. Vídeo-cine-de-(re)-composição-falseamento-ressignificação.
5 – A transição está na chegada do homem à lua, na derrota política de 68. A perda do eixo gravitacional, o congelamento do tempo, o surgimento do vídeo e a normatização de todas as coisas. O homem e o espaço sideral, as imagens eletrônicas sem referecial exteno possível. A imagem dobrada, distorcida, trabalhada, o abstracionismo não elitista, mas da vida, o abstracionismo ruidoso do vídeo.
6 – No vídeo e na tv tudo é ao vivo. Há uma relação direta estabelecida entre o vídeo e uma busca pelo retorno da aura. Mas uma aura estéril, sem carne, uma tanatoestética de corpos vivos. A fotografia conecta os vivos com os mortos. O vídeo (telefone visual) conecta os vivos com os vivos. E para tanto tornamo-nos mortos-vivos. O skype, a televisão, a internet, possibilitam o retorno do acontecimento aurático apesar (através) da técnica. A vida apesar (através) da morte.
O preto no vídeo não é ausência de luz somente. É ruído vivo. Pixel-morte enlouquecida que se quer imagem.
7 – A película se banha no caos pré-formal para depois sair revelada, mas só pode existir através da luz.
8 – Bazin fala dos cineastas que crêem na imagem e dos cineastas que crêem na realidade. Godard crê na imagem como realidade. Mas é Chris Marker o grande escultor de cristal.
9 – A película é perfurada pela luz refletida nos corpos, perfurada pelo simulacro dos corpos. Neste sentido a imagem é índice. Quando montada (vista) produz significado generalizante, torna-se ícone. O cinema é sempre documental (quando feito) e ficção (quando visto-montado).
10 – O número dez é por demais completo. O número nove é o da serpente. O ano da situação-limite, do auge da guerra-conflito de morte. O aleatório.
11 – O cinema como bússola, mapa, como forma de dominar a natureza.
12 – Filmar: Conhecer-matar. Montar: (de)(re)Construir-alienar. Exibir: Aproximar-vender.
13 – O cinema como vida - plano entre dois cortes. A vida como cinema - Tavertet, um povoado na Catalunya entre dois despenhadeiros.
14 – A magia e a técnica se distinguem por uma mudança de grau e não de natureza.
15 – A aranha-demiurgo.
Pouco se fala de um cinema seguidor das associações psicológicas do autor-deus-montador, sem lógica para além da de seu próprio inconsciente revelado (rebelado), revelador de uma realidade invisível e inquietante. O cinema como Véu de Maia, telaraña tecida por algo-alguém-tempo que permanece obscuro, invisível, desconhecido. Um deus-aranha que se faz presente através da teia pelicular (se há teia é porque deve haver aranha, não?), que se faz presente através da pergunta e da ausência: onde está a aranha?
16 – A aranha entre os fios da teia, nos cortes que separam ao mesmo que unem os planos numa rede: corte-associação, inconsciente demiúrgico.
17 – Um velho de bigode costumava falar da aranha da razão. A aranha na verdade é o inconsciente demiúrgico. A teia é o que se enrola-desenrola através do projetor.
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