lunes, 28 de abril de 2008



“tudo é terrível. tudo é espantalho, espantável. tudo ameaça precipitar tudo e todos. tudo consegue retornar ao princípio e ao fim. tudo é político, elíptico, oblíquo, ambíguo. tudo é marítimo, árido, rochoso, ventoso. tudo é tangente ao labirinto da sensação e da consciência. tudo é desagradável. tudo é futuro ou pré-histórico.”

Murilo Mendes

Nada mais parecido com uma ruína do que um prédio em construção. Não me lembro de quem é essa frase. Mas sei que é minha.

Minha mulher-mãe fez plástica esses dias. Parece que muitos não percebem a beleza das rugas. Me divorciei-nasci.


imagem-ruína e imagem-plástica. a ruga e o botox.

Os japoneses falam de “saba”, o que, segundo Tarkowsky, significa aquela marca do tempo nas coisas. É, cinema é isso – para além dos ícones –, índice, perfuração luminosa do tempo. mas me parece que a ferramenta pode ser utilizada também para esconder esse mesmo envelhecimento.

Ao ver "A lira do delírio" vemos a morte e a passagem do tempo a cada instante. Anecy Rocha dá um adeus no elevador em que morreu logo em seguida.

Carlos Reichenbach fez “Amor, palavra prostituta” se utilizando d’uma película envelhecida. O filme saiu de um amarronzado como luvas de pelica furada para suas mãos opaca.

Com a tecnologia digital isso se torna difícil. Uma mini-dv envelhecida produz é quebras de time-code. No entanto, não quero ser saudosista nem um pouco, pois costurando embalagens plásticas poderei produzir um monstro super-foda. O som sempre estoura em algum momento, há um quê de perfuração no esbranquiçado do estourado digital, sujeira pixelada; tenho filmado em 1ccd super-tosco, não acredito em memória digital; isso tudo apesar da possibilidade de fusões em perfeição.

A volta das imagens de arquivo e a tara pela marca do tempo na película, pelos traços e traças de tempos passados. Os brechós, as ruínas, o retrô. Me parece que o novo anda cada vez mais démodé e o futuro no passado arruinado. (Os dinossauros impediram por 150 milhões de anos o avanço mamífero. Nós impedimos o dos insetos gigantes.)

A plástica, uma forma de morte que não se quer natural, passa por mais aterrorizante que muitas das feridas purulentas. Se querendo acética também agride. Marca para mascarar a marca. Carimba artificialmente para apagar as pegadas do tempo.

malha, marca, mácula, mancha, todas essas palavras têm a mesma origem suja e sanguínea.

Se o sexo deixou de ser tabu nesse último século, o homem tem tentado cada vez mais distanciar a morte de seu cotidiano.

A história é cheia de dobras. A política higienista parece estar voltando aceleradamente, renascendo do final do século dezenove e início do vinte. Os séculos viram novamente. De um lado as ruínas, os terrenos baldios, do outro Ipanema, as passarelas, a capital da plástica (me perdoem os carioquismos). Pois é: vendo hoje as ruínas de amanhã. A plástica numa época de pós-necrológio.

Todo mundo morreu. Bergman, Antonioni, Guará, Sganzerla, Deleuze, Baudrillard, Fidel. Faltam agora Caetano Veloso e Gilberto Gil. Toda inocência foi pelo ralo. Hoje em dia é tudo mais do que raso, é liso, tão polido que escorrega, não chega a lugar nenhum. Mas há de haver alguma positividade nisso tudo.

Vejo “lições da escuridão” de Herzog e penso na possibilidade que tem o cinema de transformar um acontecimento presente numa visão do futuro. Um documentário que faz do atual virtual. Ali, quando o alemão filma a guerra do Kuwait, não temos Kuwait, mas Terra, não temos americanos contra iraquianos, temos seres humanos em guerra, não temos década de noventa, mas tempo indeterminado, não temos presente em conflito, mas futuro em apocalipse. Não há mais distinção entre ficção e realidade devido justamente ao avanço tecnológico-comunicativo que engole tudo o que há no mundo. No filme o distanciamento é tal, o sublime é de tal maneira atingido através do belo, que assusta. A implosão da ética nos filmes do alemão nos lembra os personagens de Joseph Conrad em luta contra a natureza, os colonizadores ingleses que em situações-limite se desmascaram em meio a um mar bravio, o abandono da justa-medida, da temperança, da sacralidade mnemônica, da moral, rumo à sobrevivência animal e nada mais.

Apocalipse now. Aguirre. O ser humano como máquina de matar aliada à tecnologia robótica. A palavra “robô” vem de “trabalho” em tcheco.

Pois é, os alemães e os japoneses souberam trilhar por entre as ruínas de seus países. Bem sucedida mescla de ruína com plástica norte-americana.

Apesar desses filmes, ainda me assusto ao dizer que acho bela a guerra, a destruição em massa, a miséria, a ruína. Será que é tão difícil assumir a beleza futurista de nossas ruínas? Me peguei um dia dizendo que acho lindo o Fundão. O Fundão é uma área zumbi da cidade do rio de janeiro, onde temos uma vista 360 graus de favelas e mangue, guindastes e podridão sem fim. É o futuro. Algo como que dez vezes a vista que se tem do rio da prata de um parque municipal (que não me lembro o nome) em Buenos Aires. Há algo de pré-histórico ali. Uma morte latente, cotidiano em decomposição, lixo tóxico, uma beleza imensurável. Uma vista panorâmica que, apesar de ocupada por seres assassinados a cada dia, possibilita uma visão distanciada da miséria.

Sei o quanto é complicado dizer tudo isso. Justamente por causa dessa distância, dessa mentalidade pós 68 (pra mim o futuro nasceu num duro parto entre 68 e 77, mas isso é outro texto). Mas quando assumiremos a decadência como positividade? Será que é tão anti-ético assim assumir o apocalipse, o lado carnívoro e efêmero do ser humano em suas últimas conseqüências? Ou será que esse radicalismo não pode nos levar a um verdadeiro otimismo?

(Me parece que o lance é contrapôr esse elogio à pós-modernidade a um plano grotesco, carnal, aproximado. a favela da maré vista da linha vermelha contra a favela da maré vista da favela da maré. de um lado o presente belo e distanciado pela estética do apocalipse. e de outro o presente carnal e efêmero, direto. um se sublimando no outro (?). senao corremos o risco de cair nós também na política de higienização. a nao ser que produzamos uma imagem distanciada sim, vista de dentro do carro, mas ao mesmo tempo suja completamente suja, com o som do rádio distorcido, atingindo um plano geral e contaminante sem mediação através do belo.)

a plástica e a ruína. a ruína plastificada e plástica arruinada.

A América. A América é um prédio-ruína em construção-demolição. “uma mesa com uma rosa que simultaneamente floresce e murcha, o sol que, na mesma paisagem, simultaneamente nasce e se põe” (Benjamin). “A América foi definida ironicamente como sendo um “país”que passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. Esta fórmula poderia ser aplicada, com mais propriedade, às cidades do novo mundo. Sem se deter na maturidade, passam do novo ao decrépito.” (Lévi-Strauss).

Fortaleza é pra mim tudo isso. Lusco-fusco + desigualdade, indeterminação + contraste. Luminosidade que não se sabe se de amanhecer ou de anoitecer, se de noite ou dia. Síntese dessa esquizofrenia sem tempo e sem mapa. Dualidade entre um passado arcaico de cidade interiorana, entre pescadores, vaqueiros, e arranha-céus desabitados frente ao mar. Esquecimento e memória. Concreto, asfalto, ferro e vidro x mangue, maresia e duna. Novo mundo. Me lembro do conto do Scott-Fitzgerald que fala de um ser que nasce com 80 anos e que ao invés de crescer, vai diminuindo até que o espermatozóide se separa do óvulo.

Novo mundo. A busca pelo corte no tempo. Pelo imemorial. Um território desterritorializado, estrangeiro, uma temporalidade atemporal. Cesura. Planos sem mapa. Constelação de países, estrelas conectadas por associações psicológicas inconscientes e xamânicas.

O Brasil passou do colonial ao pós-moderno sem ter conhecido o século dezenove e sua civilidade. O esquizofrênico, o híbrido, multi-étnico-cultural, multi-ethos, o consumismo, tudo isso já havia aqui, no novo mundo, há séculos. Os ibéricos inventaram a colono-globalização. O mendigo colecionador de eletrodomésticos. O senhor de escravos consumidor de artigos de luxo importados. A hybris pós-moderna. A ausência de silêncio e de sacralidade. Ta tudo torto!, já dizia Zé Trindade.

Agora, no Brasil, depois de tanto palavrório, vejo a busca pelo silêncio. Mas isso é também outro texto.

E Hegel fala de um sol que avança rumo ao ocidente. O sol da civilização. Dos sumérios aos americanos, passando pelos egípcios, gregos, romanos, franceses e ingleses. O que não compreendeu é que o início se mesclaria com o fim quando da volta operada pelo globo. O ocidente chega um dia que vira oriente. Mas nem deu tempo para o sul dominar o mundo!

Chega de bobagem.

...
LUCAS PAReNTE

domingo, 27 de abril de 2008

Cinema, rua de mão única.


Por Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar


Nunca existiu inocência ou pureza no mundo do cinema. À medida que as décadas foram passando vemos aí a vitória da TV sobre o cinema de idéias. Faz-se televisão pobre, comprometida com o mercado, e não cinema. E nós que queríamos que a televisão somasse ao cinema! Mas... não somos cultuadores dos nossos muitos fracassos e traições. Apenas queremos entender essa noção que nos obriga a NÃO questionar a relação entre o mercado ocupado, o capital, a burocracia, as muitas traições e o “novo” cinematelevisivo a ocultar as muitas aberrações do nosso tempo. Mas resolve ficar calado? Quem sai ganhando com o silêncio?


Não falamos como críticos, historiadores, sociólogos ou teóricos, mas como pessoas do cinema brasileiro. Temos um passado e uma história de lutas e confrontos. Sempre lutamos por um país melhor para todos. Lutamos com os nossos filmes contra a ditadura militar. Continuamos lutando por um mercado radicalmente nosso, contra toda e qualquer ocupação estrangeira. Mas logo nos fizeram compreender que não tínhamos um país. Espaço, mercado e postura. Jovens, fomos conhecer Humberto Mauro muito tarde. Mas nos tocaram profundamente “Deus e o diabo na terra do sol” e “terra em transe”.

Glauber espantou-nos com sua linguagem ousada, edificante, poética, anárquica, original e sempre política. Política, mas além dos políticos e partidos. Depois da sua morte o cinema foi transformado num produto insignificante e meloso para o mercado que nunca foi nosso. Era preciso adequar o cinema aos baixos interesses das distribuidoras estrangeiras, num corte radical com a pequena e sofrida história do país. Irrefletidamente não só lhes oferecemos o controle da produção, do mercado e até do próprio rabo numa possível valorização do “nosso” filminho comportado ou nostálgico. E, claro, com a violência sendo usada como espetáculo de intimidação pela via da hipnose. Mas quantas dessas bo$tas se pagaram na bilheteria?


Sempre desconcertados diante da pergunta, desviam-se do foco. Responder para quê? O negócio foi sempre continuar mamando no dinheiro público. Mas quem sabe um dia não acaba se ganhando um Oscar por ser bem comportadinho? Talvez seja o efeito terapêutico necessário no eterno exercício da malandragem. É o nosso exotismo tropical! Dorme-se sonhando com a bunda da perua televisiva. E acorda-se abraçado num bacalhau. Mas foi com “Deus e o diabo” e “Terra em transe” que nos aproximamos com o cinema numa idéia viva de Brasil.

Através de Glauber, foram-se medos, ambigüidades e inseguranças. Cicatrizes visíveis da nossa má formação. Passamos a criticar e combater Hollywood na defesa de Oswald de Andrade, Pixinguinha, Tarsila do Amaral, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, José Celso Martinez Correa, Bazin, Aristarco, Paulo Emílio, Brecht, Godard, Visconti, Bergman, Antonioni, Benjamin, Adorno, Satie, Villa-Lobos, o jazz... e os múltiplos lados significativos, poéticos e solenes da vida. E é esse doce e furioso sopro de vida que nos acompanha até hoje. Ainda assim, não somos melhores ou piores que ninguém. Apenas queremos refazer e entender todas as contradições do nosso duro amadurecimento. Reaprender a aprender para lutar melhor. Um pouco além da culpa, do medo e do velho silêncio obrigatório.

Ainda assim, no fosso histórico da nossa formação, felizmente nunca respeitamos autoridades, sucesso ou os que se acham donos da verdade. Menos ainda nossa lamentável classe política de ontem e de hoje. Mas ultrapassar a mediocridade, a solidão, a religião, a truculência, a caretice... nunca foi fácil. O fecundo desdobramento de um cinema de invenção nunca nos foi confortável. Mas foram sempre os nossos impulsos mais profundos e verdadeiros. Amávamos e amamos trabalhar um cinema de linguagem. Claro que fomos e ainda hoje somos chamados de tudo. Mas não fomos nós quem traímos o cinema e o país.


Introduzimos aqui a expressão traição como a nossa melhor tradição. Mas o que se estava traindo? Repetindo: antes de tudo e mais nada o BRASIL. Depois a verdade. O afeto. A mulher. Os tantos e tantos sonhos realizados ou não. Como todo mundo, cometemos pequenos erros. Nunca nos vendemos como santos além do bem e do mal. Mas também nunca fomos canalhas. Sempre recusamos o sucesso fácil e menor. Os muitos álibis da burocracia em conexão com o poder dos medíocres. O culto à estupidez e à vaidade. Um baixo uso comercial da brutalidade como intimidação e humilhação do espectador... Fomos por outros caminhos. Fundamentalmente por uma resistência sem partido, pois também nunca acreditamos em partido algum. A palavra já diz: par-ti-do.


O Brasil é sempre o mesmo descobrimento. Os que ontem se diziam de oposição, hoje estão no poder. Gordos, velhos e sujos. Mas fazendo o quê? Melhorou alguma coisa? O país saiu da sua eterna obscuridade? É uma idéia v-i-v-a de povo que está no poder ou vive-se apenas a excitação do atraso? Pressentimentos à parte, deixamos de acreditar nas bravatas palacianas. Pertencem a um mundo que não é o nosso. São todos charlatões e fanfarrões falando sempre em nome do povo ou de deus. Como péssimos atores de um novelão que nunca acaba, estão sempre bostejando na TV. Usam a TV como arma militar. A TV é o poder. Poder servindo a deus e o diabo na terra em lama.

O cinema tornou-se uma atividade de mão única. Pelas distorções do mercado e pela imposição ideológica, uma determinação cultural, em qualquer regime. É lógico que todo processo é mais harmônico quanto mais democrático. Mas os tempos são outros. De outra história. Uma continuação da mesma história. Principalmente da nossa, do nosso cinema. E sem mão dupla perdemos todos nós. O cinema e o país. Vale refletir, enquanto a única força que ainda possuímos, invisível e insubmissa, é a cultura. Alguma coisa que ainda pode resistir ao mundo real da materialidade, esta que encanta, fetichiza e domina. A do capital, com alguma atividade ainda necessitando do trabalho, mas não mais do trabalhador! Às corporações, tem bastado o consumo, o lobismo e a corrupção. De difícil resistência para algum governo não totalmente entregue. O que pensamos!


E por que o cinema como resistência, necessidade, vontade e crença? Porque o cinema ainda se constitui em matéria-prima fundamental na fundação de um povo, de uma cultura e de um país. É bom observarmos que quem não resiste, se finda. E os exemplos são infinitos. Assuntos para outra matéria a ser pensada. Os nossos aliados para uma arrancada do nosso cinema estão prenhes: de esperança, de vida, de vontades, de oportunidades. São este país e gostam dele. Mas, pelo completo estranhamento, estão ausentes de nós. E de tudo que é nosso. Nossa vontade de ser. Cinema, gente, país! E estamos com pouquíssimas opções! Somos entulhados e ao mesmo tempo despojados de bens materiais e culturais indispensáveis, para uma outra grade além da mídia e do controle dos bens de produção, onde a maior e mais importante foi sempre a cultural, histórica e formadora.


Um poeta latino não teve medo de afirmar que o Império Romano se derrotava ante a cultura grega. Aforismo que nos alerta sobre a fragilidade e o possível fracasso das democracias! O perigo da mão única! Sempre nos omitiram os perigos e os sacrifícios necessários na construção de um país, com o poder, os partidos e as instituições servindo sempre de mediadores para mais acesso aos privilégios, criando facilitários e a base fisiológica, como hoje, para nada mudar; fazendo da dura realidade, aparências! O que não suportamos mais, oprimidos pela descrença, a violência e o caos! Os grande lutadores de uma certa idéia de Brasil estão ficando cansados e sem mais apelo. Deixam as cátedras, perdem o trabalho, se isolam caindo no esquecimento, quando não vão para o túmulo pela tristeza.


A falta de espaços e a censura corporativa têm sido mais brutas que no período militar. E um país e um bom cinema não se fazem sem o conhecimento da história, da nossa história, e de nós mesmos. Para sabermos se é isso o que queremos: de nós, para nós e para os outros. Alexandre, ao conquistar um Império, tentou levar com ele a cultura grega, o que não foi possível. Cultura e país não se universalizam como produtos. Cada um se torna responsável por sua construção que, antes de materializar-se, deve carregar uma paixão, o invisível, as subjetividades, introjetados como força única e transcendente como representação do ser. Hoje não se luta por nada. A não ser para pagar contas e se dar bem como um contraponto do nada. E o cinema? Um cinema Brasil?

Nossa opção foi sempre quase nenhuma. Desde o nosso começo. Os pioneiros fizeram o que puderam, a sua parte. Mas também de um começo, vitimados! O cinema não nos chegou sozinho, esteve sempre acompanhado e bem policiado, como agora.

Nossa história sobre esses princípios é rara e superficial, porque feita pelos vencedores; no entanto, não podemos prescindir dela. É um alerta e um caminho. E uma advertência! Os inimigos não morrem. E o nosso cinema precisa construir uma consciência de si mesmo se quer sobreviver. Estamos sendo destruídos a céu aberto e precisamos nos preservar nos subterrâneos. Com as nossas diferenças e com a construção de uma estrutura básica, a que sempre tivemos: o público. Mas sem seguir ou competir com Hollywood. Roliúde é uma existência, uma história, uma ideologia militarizada. Nós ainda somos uma idéia de cultura, de povo, de país. Nossa concorrência e competição são cultural e histórica, embora tenhamos que trabalhar o mesmo mercado. Com outra estratégia, com outras condições objetivas em face da conjuntura sempre desfavorável e ameaçadora não nos deixando saída, como agora.


Além de uma estratégia política, não podemos descartar a que nunca trabalhamos como devíamos, incapazes da compreensão das contradições antagônicas de muitos interesses da luta de classes e de nossa própria incapacidade. Como o problema se tornou mais geral, com dificuldades muito comuns e sem saída particular, a estratégia é também de sobrevivência. A globalização e o domínio das corporações concentraram dificuldades e acentuaram dispersões. Pelo cansaço, a descrença e a entrega! E o nosso grande aliado (se bem trabalhado e amado) é o espectador. Este público que nunca abandonou o cinema brasileiro, fiel a uma boa política de aproximação e proteção do que é nosso: força cultural e movimentos associativos de participação visando respeito, reciprocidade e cidadania. Estratégia somente possível através de algum controle dos meios de produção e da cultura, e com canais específicos para este trabalho: com os já existentes e com os que se estão criando. Com a produção de bons filmes e uma boa rede de cinemas, presentes em áreas populares como clubes, igrejas, escolas de samba, bairros operários...

Com mais esta vertente e com a rua de mão única duplicada, a elite conciliatória e que nunca quis mudança alguma, seguirá a sua história, enquanto tentamos a construção de outra, esperando que ambas se encontrem antes do infinito. Ainda somos uma bela unidade nacional, sem divisões territoriais sustentáveis, como as da violência e miséria, e com o cinema interpolando e interagindo, como vetor de todas as áreas da arte, do conhecimento e dos movimentos culturais, políticos e sócias. Sabendo também que o pensamento e a arte, entre nós, não são grandes forças de atuação política para mudanças. Só para o continuísmo; enredadas e emparedadas ad perpetuum, transformados pela ideologia dominante em puro objeto mercadológico descartável. Com algum valor de uso e nenhum de troca. O cinema brasileiro tem que ser visto como brasileiro. E aceito como tal.


Pensamos um cinema sem forçar o imaginário popular e coletivo, sem impor hegemonia; uma relação de construção e convivência, respeitando diferenças. Sempre sustentado por um processo democrático, ativo, participativo e em eterna construção. Ora, expressar uma atividade cultural é um ato político e ideológico, e o queremos mais popular, mais social, como definia Gramsci. Uma possibilidade para qualquer cidadão. Uma extensão estética.


Vivemos uma era de perdas e de desconstrução do humano. De externalizações coletivas. Seremos de fato cidadãos? A força e a significação de alguém está naquilo que ele é, faz e produz. Em seu trabalho. Esta é a nossa natureza. A natureza do nosso cinema - uma rua de mão dupla infinita. Muitas direções para o nosso cinema, que nunca será demissionário sem saber o que ocorre com ele! A luta é esta e continua. Lutemos!

sábado, 26 de abril de 2008

por: Luiz Pretti

DÚVIDAS E DUVIDOSOS

Em tudo que fazemos existem escolhas a serem feitas. E pra cada escolha que fazemos criamos critérios que norteiam essas escolhas. Critérios que nos ajudam a fazer as escolhas certas. Assim levamos a vida e assim se faz uma curadoria. E do mesmo jeito que a vida é cheia de imperfeições e caminhos desconhecidos, assim também o é com uma curadoria. O que resta é sempre a certeza de que nada é certo, por mais paradoxal que isso possa soar.

Com isso, introduzimos ao espectador, leitor deste texto, o primeiro aspecto evidente nas sessões de curtas a que vocês estarão assistindo no Cine Ceará. Aspecto esse que esteve muito presente nas reuniões da curadoria. Como então, fazer as escolhas dos filmes e ainda manter-nos íntegros com as nossas próprias questões e noções sobre o que gostaríamos que fossem essas sessões de curtas? Justamente aceitando que todos e tudo é duvidoso!

Portanto bem-vindos ao festival dos duvidosos!!!
por: Luiz Pretti.

Começo a escrever esse texto que Lorena me pediu com a alegria de poder reter em algum lugar meus sentimentos com relação ao que vi acontecer aqui, no Cine Ceará, em Fortaleza e expressar desde já a minha empolgação com esse novo festival, en-transe, que ainda irá proporcionar momentos muito felizes para o cinema latino americano que não tem medo de ousar nem de buscar novos caminhos dentro daquilo que chamamos de cinema. Me parece que alguns eventos (festivais, cineclubes, etc.) que vem acontecendo nos últimos tempos estão nos mostrando que novos ares são necessários para o nosso cinema, e que já há muitos realizadores fazendo um cinema inventivo que não se sente na obrigação de ter que responder a certas máximas que impregnam os nossos filmes há tempo demais. Portanto, o Cine Ceará, certamente não é um evento isolado. Ele é, justamente, fruto de alguns momentos muito felizes (como foi a mostra de Tiradentes no começo do ano) em que nos vimos na necessidade de fazer algo que desse continuidade ao que já havia começado. Esperamos ter contribuído de alguma forma para esse momento ímpar e desejamos muito que ele não pare por aqui.

Passado agora alguns dias que o Cine Ceará terminou e eu me sento para escrever sobre a curadoria de curtas que ajudei a fazer, uma palavra persiste em minha cabeça: juventude. Uma palavra clichê e em desuso. Uma palavra que nunca me caiu bem. Mas aqui, a palavra que melhor descreve o que aconteceu nessa semana de convivência com os realizadores dos curtas que participavam do festival e seus respectivos filmes. Penso em juventude não como parâmetro para idade, mas como um estado de inquietação que não cansa de querer se aventurar por territórios ainda desconhecidos e descobrir lá, com fôlego renovado, que ainda há muita estrada pela frente e que tudo ainda está por ser descoberto.

E o que aconteceu, foi que as pessoas se descobriram umas às outras através da atração que existia entre os filmes e, por conseqüência, entre os realizadores que ao verem uns aos filmes dos outros perceberam que não estavam sozinhos (fenômeno nada novo, mas sempre importante). O reconhecimento de si no outro e ao mesmo tempo o desabrochar de novas possibilidades com o cinema que nem sabíamos que existiam dentro de nós (aqui eu me coloco junto como realizador), estimuladas pelo encontro com as forças criativas dos filmes a que assistimos. Nesse sentido, me arriscaria em dizer que algumas portas foram abertas e algumas barreiras superadas. E com isso um novo horizonte foi avistado, talvez ainda longe de nós, mas ainda assim um horizonte, que existe concretamente, e que parece nos dizer que há também para nós um futuro e agora é a hora de começar a conquistá-lo. No entanto, devemos conquistá-lo do nosso jeito e sem nunca deixar de ser jovem, estar inquieto e sempre atrás de um novo horizonte.

Ao final, o que mais me alegrou foi ter os diretores me agradecendo pela sessão em que o seu filme havia passado. Pois, a meu ver, no fundo o que importa são os filmes e o que eles podem nos trazer. Tentei fazer a curadoria do mesmo jeito que faço um filme, achando em cada curta um estímulo novo que me desse prazer e buscando realmente me relacionar com ele para só depois ver aonde ele ia se encaixar. E, é claro, tentei ser o mais generoso possível com todos.

Coloco agora o texto que eu escrevi para o catálogo do festival, mas que acabou não entrando por falta de espaço:

As sessões de curtas foram montadas visando primeiramente uma forma com que os filmes se ajudassem e crescessem uns com os outros quando exibidos em conjunto. Constando que os três curadores são também realizadores, buscamos ter um olhar generoso com cada filme tentando fazer com que em cada sessão as relações entre os filmes fossem as menos óbvias possíveis, mas claro, sem deixar de primar por uma unidade entre eles. De certa forma, é como a montagem de um filme, pois não existem filmes (planos) que estejam isolados, mas sim um todo que só faz sentido quando todas as peças estão em seus lugares. Nesse sentido, realmente não há filmes melhores ou piores, mas sim filmes que se atraem e se identificam, nascendo assim um diálogo entre eles e, como esperamos, um diálogo entre eles e o espectador (peça essencial nessa montagem).

Para isso, escolhemos curtas que, a nosso ver, retratam, ou ainda mais que isso, mostram e refletem o nosso mundo e um certo estado de ser do cinema hoje em dia. Também tentamos privilegiar aqueles curtas que em suas estruturas eram ousados e que em sua feitura tinham uma vontade forte de pensar cinema em suas possibilidades variadas. Queríamos que as sessões fossem um convite ao espectador do Cine Ceará para conhecer um pouco do que vem sendo feito em termos de curta no resto do país e entrar em contato com filmes que não são os que passam normalmente nos cinemas daqui ou na televisão, mas que acreditamos terem um grande potencial comunicativo.

Resolvemos não nomear as sessões para não indicar demais a maneira como os filmes devem ser vistos em conjunto. Preferimos deixar que cada espectador com a sua imaginação e a sua bagagem referencial chegasse às suas próprias conclusões sobre as relações entre os filmes. Deixamos livre também para quem quiser simplesmente ver os filmes por si só.

É importante dizer que essa curadoria, acima de tudo, foi feita com muito amor por cinema e com uma grande expectativa de compartilhar com o espectador, que vem ao festival com tudo que ele tem de particular, um cinema que tem muito a nos dizer, a nos fazer refletir e até, quem sabe, a nos mudar um pouco e fazer dessa experiência de ver filmes uma experiência para além da sala de cinema.

***
por: Lorena Ortiz


Desde la tierra Francisco Silva, Aldemir Martins, Antonio Bandeira y Descartes Godetra:


La semana pasada, estuve en la 18º edición del Festival Cine Ceará. Tuve el honor de ir representando "Convite para jantar com o camarada Stalin" de Ricardo Alves Junior.

Quiero compartir un poco la experiencia de lo que fue el encuentro que se produjo, gracias a la curaduría de la muestra competitiva de cortos, realizada por Ivo Lopes, Luiz Pretti y Simone Olveira. Una curaduría que favoreció trabajos personales, movidos por el deseo de cada autor y libertad en el uso del lenguaje, lo que hizó que se generara una especie de fraternidad entre los realizadores, quienes no solo descubríamos un eco entre las obras sino entre los procesos.

Considero muy importante esta posibilidad que se generó a partir de reunir esos trabajos, creo que debemos configurar nuestros propios sistemas que posibiliten la producción y distribución de nuestra cinematografía.

Invité a Luiz a escribir un poco sobre la experiencia de hacer esa curaduría.

miércoles, 23 de abril de 2008

empecemos

Se me había olvidado:
Una campanada = pasajeros del norte.
Dos campanadas = pasajeros del sur.
Tres = carga del norte.
Cuatro = carga del sur.
Esto lo aprendí una vez en un lugar cuyo nombre no importa
donde ya ninguna campana
anuncia ningún tren.