sábado, 26 de abril de 2008

por: Luiz Pretti.

Começo a escrever esse texto que Lorena me pediu com a alegria de poder reter em algum lugar meus sentimentos com relação ao que vi acontecer aqui, no Cine Ceará, em Fortaleza e expressar desde já a minha empolgação com esse novo festival, en-transe, que ainda irá proporcionar momentos muito felizes para o cinema latino americano que não tem medo de ousar nem de buscar novos caminhos dentro daquilo que chamamos de cinema. Me parece que alguns eventos (festivais, cineclubes, etc.) que vem acontecendo nos últimos tempos estão nos mostrando que novos ares são necessários para o nosso cinema, e que já há muitos realizadores fazendo um cinema inventivo que não se sente na obrigação de ter que responder a certas máximas que impregnam os nossos filmes há tempo demais. Portanto, o Cine Ceará, certamente não é um evento isolado. Ele é, justamente, fruto de alguns momentos muito felizes (como foi a mostra de Tiradentes no começo do ano) em que nos vimos na necessidade de fazer algo que desse continuidade ao que já havia começado. Esperamos ter contribuído de alguma forma para esse momento ímpar e desejamos muito que ele não pare por aqui.

Passado agora alguns dias que o Cine Ceará terminou e eu me sento para escrever sobre a curadoria de curtas que ajudei a fazer, uma palavra persiste em minha cabeça: juventude. Uma palavra clichê e em desuso. Uma palavra que nunca me caiu bem. Mas aqui, a palavra que melhor descreve o que aconteceu nessa semana de convivência com os realizadores dos curtas que participavam do festival e seus respectivos filmes. Penso em juventude não como parâmetro para idade, mas como um estado de inquietação que não cansa de querer se aventurar por territórios ainda desconhecidos e descobrir lá, com fôlego renovado, que ainda há muita estrada pela frente e que tudo ainda está por ser descoberto.

E o que aconteceu, foi que as pessoas se descobriram umas às outras através da atração que existia entre os filmes e, por conseqüência, entre os realizadores que ao verem uns aos filmes dos outros perceberam que não estavam sozinhos (fenômeno nada novo, mas sempre importante). O reconhecimento de si no outro e ao mesmo tempo o desabrochar de novas possibilidades com o cinema que nem sabíamos que existiam dentro de nós (aqui eu me coloco junto como realizador), estimuladas pelo encontro com as forças criativas dos filmes a que assistimos. Nesse sentido, me arriscaria em dizer que algumas portas foram abertas e algumas barreiras superadas. E com isso um novo horizonte foi avistado, talvez ainda longe de nós, mas ainda assim um horizonte, que existe concretamente, e que parece nos dizer que há também para nós um futuro e agora é a hora de começar a conquistá-lo. No entanto, devemos conquistá-lo do nosso jeito e sem nunca deixar de ser jovem, estar inquieto e sempre atrás de um novo horizonte.

Ao final, o que mais me alegrou foi ter os diretores me agradecendo pela sessão em que o seu filme havia passado. Pois, a meu ver, no fundo o que importa são os filmes e o que eles podem nos trazer. Tentei fazer a curadoria do mesmo jeito que faço um filme, achando em cada curta um estímulo novo que me desse prazer e buscando realmente me relacionar com ele para só depois ver aonde ele ia se encaixar. E, é claro, tentei ser o mais generoso possível com todos.

Coloco agora o texto que eu escrevi para o catálogo do festival, mas que acabou não entrando por falta de espaço:

As sessões de curtas foram montadas visando primeiramente uma forma com que os filmes se ajudassem e crescessem uns com os outros quando exibidos em conjunto. Constando que os três curadores são também realizadores, buscamos ter um olhar generoso com cada filme tentando fazer com que em cada sessão as relações entre os filmes fossem as menos óbvias possíveis, mas claro, sem deixar de primar por uma unidade entre eles. De certa forma, é como a montagem de um filme, pois não existem filmes (planos) que estejam isolados, mas sim um todo que só faz sentido quando todas as peças estão em seus lugares. Nesse sentido, realmente não há filmes melhores ou piores, mas sim filmes que se atraem e se identificam, nascendo assim um diálogo entre eles e, como esperamos, um diálogo entre eles e o espectador (peça essencial nessa montagem).

Para isso, escolhemos curtas que, a nosso ver, retratam, ou ainda mais que isso, mostram e refletem o nosso mundo e um certo estado de ser do cinema hoje em dia. Também tentamos privilegiar aqueles curtas que em suas estruturas eram ousados e que em sua feitura tinham uma vontade forte de pensar cinema em suas possibilidades variadas. Queríamos que as sessões fossem um convite ao espectador do Cine Ceará para conhecer um pouco do que vem sendo feito em termos de curta no resto do país e entrar em contato com filmes que não são os que passam normalmente nos cinemas daqui ou na televisão, mas que acreditamos terem um grande potencial comunicativo.

Resolvemos não nomear as sessões para não indicar demais a maneira como os filmes devem ser vistos em conjunto. Preferimos deixar que cada espectador com a sua imaginação e a sua bagagem referencial chegasse às suas próprias conclusões sobre as relações entre os filmes. Deixamos livre também para quem quiser simplesmente ver os filmes por si só.

É importante dizer que essa curadoria, acima de tudo, foi feita com muito amor por cinema e com uma grande expectativa de compartilhar com o espectador, que vem ao festival com tudo que ele tem de particular, um cinema que tem muito a nos dizer, a nos fazer refletir e até, quem sabe, a nos mudar um pouco e fazer dessa experiência de ver filmes uma experiência para além da sala de cinema.

***

6 comentarios:

Unknown dijo...

Não sabia q vc era curador Luiz, parabens. Pena o texto para o catalogo do festival ter ficado de fora, pq ele é muito bom.

Escolhas são difíceis, ainda mais sobre a obra dos outros. Mas a consciencia de vcs sobre a inevitabilidade da incerteza não é um esquivo da responsabilidade, mas uma afirmação do fazer artistico de ser curador. Acho q deve ser confortante para um autor reconhecer isso em uma curadoria.

Assistir a um festival q não nomeia sessões, q se define como uma montagem de um filme em q cada curta é um plano, e por tanto não hierarquico, deve ter dado ao espectador uma sensação de cumplicidade incomum. Gostaria de ter estado aí. Abs

Cinecasulófilo dijo...

Luiz,
num processo de curadoria, acho tão importante quanto refletir sobre os filmes e sobre o cinema, refletir sobre o próprio processo e sentido de se fazer uma curadoria, seus limites e suas possibilidades. Nisso, seu texto cumpre o seu papel.
abs

juliano dijo...

Luiz,
acho crucial que os raciocínios que pensamos ser "artísticos"(uso na falta de uma palavra melhor" sejam aplicados a ações ditas "de produção" (como um suposto oposto de "artístico"). Acho que o salto dado por todas essas cabeças e corpos espalhadas por aí, cheias de vontade de vida via cinema, vai rolar na medida em façamos filmes também fora dos filmes, fazendo festivais, textos, curadorias, produtoras, livros, manifestos. É preciso tirar dos filmes uma espécie de aura de exceção, e montar e dirigir iniciativas de cinema, de arte, de pensamento, de política, com todo o rigor e paixão que aplicamos pro filmes.
E senti um cheiro disso por aí. Às vezes sinto e sempre gosto. Foi um prazer grande. Ainda é.
Abraços pra ti e pressa turma boa

Luiz Paulo dijo...

Luiz

Uma das funções intelectuais mais dificeis para mim é a critica de arte. Mais difícil, ainda, é a curadoria ou juri de festivais. Aí você tem que exercer a crítica da pior maneira, ou seja, a partir de uma única e exclusiva visão, a sua, você não escolhe, não seleciona, ou seja, deleta a obra, não apresenta, não deixa os outros verem.
De qualquer forma acho que o seu texto deu uma certa consistência à curadoria. Gostei da expressão Festival dos Duvidosos, que pode ser adotada para qualquer festival.

Luiz Paulo

Unknown dijo...

luiz, uma curadoria como o cineceará não conhecia. mais uma ação que colabora com tantas outras que vêm acontecendo nessas bandas de cá. obrigado pela chance de poder ter visto e conhecido alguns dos realizadores dos vídeos.
abraço

Festival latinoamericano de cortos EN TRANSE dijo...

quero agradecer a todos os comentários. o essencial é estarmos dialogando e pra isso, concordo com o juliano, de que não é só fazendo filmes que consegue esse diálogo. isso é uma descoberta ainda recente na minha vida. ainda bem que a vida ainda só está começando! hehe
bjos. para todos.
luiz